domingo, 20 de março de 2016

CRONIQUETA




Você já sabe, o blogue do Grito do Rock 2016 está aqui para trazer um pouco do melhor da música e das artes em Três Corações! 

Na próxima semana, teatro, cinema e música serão os nossos assuntos. Hoje, domingo, dia consagrado à cronica por leitores e jornais, apresentamos também o nosso bom prosador: Lelo de Brito, cronista e colaborador do Grito do Rock. 

Na crônica "Lucian Freud", abaixo, ele mistura biografia e invenção em uma história deliciosa sobre dois grandes artistas descendentes de Sigmund Freud, o pai da psicanálise.   


Boa diversão!

cadeia alimentar

LUCIAN FREUD

Por Lelo de Brito*

Quando Jane McAdam Freud era criança, durante anos – talvez três - manteve uma fazenda em seu quarto. Potros, gado, patos, onças e gatos de plástico, terras aradas feitas com guardanapos de pano, uma picape amarela de fabricação italiana e um trator alemão de ferro compunham a sua gleba. 


Na modorra das tardes sem fim, sem que sua mãe soubesse Freud fazia chover na fazenda com o regador. Ocasiões em que, para evitar a inundação do quarto, construía diques com três panos de chão enrolados, que eram também as serras e o horizonte daquele universo. Apenas o porquinho-cofre escapava das chuvas, pois Freud temia que as moedas enferrujassem. Ademais, o suíno de porcelana era gigantesco se comparado com os outros seres da fazenda: sonhá-lo como parte da fauna exigia da imaginação uma volta a mais no torniquete do real. 

Mas foi porque certo dia tomou o porquinho-cofre nas mãos e o sentiu pesado demais que Freud decidiu apostar todas as fichas na pecuária. Trocou uma rês por dois novilhos a cada final de manhã de terça-feira; começou barganhando todo o gado azul. Ela já não tinha boi-tatá sequer quando se convenceu de que os bezerros de plástico jamais cresceriam. Foi um golpe duro para ela ser traída pela inocência. 

Seu bisavô, Sigmund Freud, levava os dias a ler e a conversar com gente esquisita, e virava as noites escrevendo cartas e tratados. Segundo o folclore da família ele comia mal, dormia pouco e se divertia aconselhando os amigos mais mancebos, para chocá-los; - bata na sua mãe enquanto ela é jovem! 

Jane MacAdam, adulta, veio a dedicar-se à escultura. Nunca lhe ocorreu entalhar uma fazenda, mas é de sua autoria um rosto assaz misterioso: o lado esquerdo da cabeçorra dorme imperturbavelmente, mas não sonha, está morto; o lado direito tem o olho vivo, curioso; a boca é de tal modo que, vista de frente, exprime fúria. Ninguém ignora que se trata do rosto do pintor Lucian Freud, seu pai. Quando posou para a filha o velho Freud já padecia, faleceu pouco depois.




Jane M. Freud  e sua escultura / fotografia: Folha de SP
*Lelo de Brito, 35 anos, é cronista e edita o blogue Costela Social. 

+ CONTEÚDO


GRITO DO ROCK TC 2016
6 bandas de rock, no Queens Pub
UMA FESTA E MUITO MAIS, PRA VOCÊ!


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